República Centro Africana: quo vadis?

A República Centro Africana (RCA) atravessa desde 2013 um dos seus maiores conflitos desde que adquiriu a sua independência da França em 1960. Desgraçadamente, é um Estado que tem conhecido a pobreza e a violência num grau exorbitante, não tendo conhecido muitos períodos de acalmia ou de desenvolvimento.
Contudo, não fugindo à regra de muitos países africanos tem grandes riquezas, destacando-se os diamantes, o ouro, o petróleo e o urânio.
Mergulhou novamente numa grande turbulência em 2013, quando os rebeldes muçulmanos do Seleka tomaram o poder na maioria das regiões afectas ao cristianismo. A partir desse momento, algumas milícias, na sua grande maioria cristãs e designadas de anti-balaka, ergueram-se para combater os Seleka.
Em 2014 os Seleka entregaram o poder a um governo de transição sob pressão internacional, porém, o que se seguiu foram meses de violência e o país acabou por ficar visivelmente fragmentado, isto apesar da presença de uma força de paz da ONU e de militares franceses. Na realidade, hoje em dia, as autoridades centro-africanas apenas controlam uma pequena parte do território nacional.
A situação neste país constitui uma tragédia humanitária., ainda para mais quando verificamos um grau de violência fora de controle. Tanto a maioria cristã, quanto a minoria muçulmana, têm cometido ataques atrozes contra a população, não sendo poupados nem mesmo idosos ou crianças. Segundo a FAO, metade da população passa fome, pois o conflito interno interfere na produção agrícola e de gado no país.
Portugal, inserido na missão da ONU (MINUSCA) actualmente conta com 159 militares, 156 dos quais para-quedistas do Exército e esteve por 18 vezes envolvido em "confrontos e sob ataque" de "grupos armados ou criminosos que operam na República Centro Africana", segundo informações prestadas pelo Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).
Bambari, situada a cerca de 300 km da capital Bangui e cidade onde o contingente português tem vindo a ser chamado mais a intervir, tem vindo a ser palco de violência entre as milícias rivais, com particular destaque para a União para a Paz na República Centro-Africana, uma das milícias saídas da ex-rebelião Selek (entretanto fragmentada).
A força portuguesa tem procurado salvaguardar a segurança da população nesta zona do país, contudo apesar da grande bravura já demonstrada em diversas ocasiões, a missão tem-se perfilado bastante atribulada e espinhosa.
Como já foi salientado anteriormente, a RCA é bastante rica em diversos recursos naturais e tem uma vasta área arável, mas é também um dos países mais pobres do mundo.
Segundo dados fornecidos pela ONU é o país com o mais baixo nível de desenvolvimento humano e a esperança média de vida é de 51 anos. Na sequência do conflito, conta com mais de 600.000 desalojados dentro do próprio país e com mais de 500.000 refugiados.
Desde a independência o país tem sido conduzido por ditadores dos mais diversos quadrantes, tendo ganho particular destaque devido à sua bizarrice o regime de Jean Bédel Bokassa (1966-1979). Nos seus últimos três anos, auto-designou-se Imperador tendo sido inclusivamente coroado com esse título segundo os preceitos seguidos por Napoleão Bonaparte.
As mudanças de regime têm sido muito frequentes e violentas e nestes últimos anos para além de termos testemunhado aum conflito de natureza religiosa, verificamos também existirem interesses que envolvem as elites mais poderosas - esquemas de desvio de fundos, corrupção, exploração ilegal dos recursos naturais do país, tudo tendo em vista o proveito próprio.
De destacar também as intromissões provenientes do exterior, onde ganhou particular relevo Joseph Kony, líder do "Lord's Resistance Army" (designado o senhor da guerra do Uganda), que teve de fugir do seu país em 2008, e desde então, tem espalhado o terror em várias regiões da RCA, RDC e Sudão.
Após as eleições de 2016, que não vieram alterar nada em termos de violência, temos visto um país cada vez mais divido e difícil de controlar. Nos tempos que correm o Governo praticamente só consegue controlar a capital Bangui. No centro e leste do país é visível o conflito cada vez mais sangrento entre os ex-Seleka e os anti-Balaka, enquanto que no sudeste a violência aumentou depois da retirada das forças especiais norte-americanas e das forças do Uganda, que combatiam o grupo rebelde de Kony. E finalmente, no noroeste, observamos a um conflito étnico entre os agricultores e os produtores de gado, situação essa que é também comum em outros países africanos, como a Nigéria e a Tanzânia.
Perante este cenário bárbaro, cruel e desumano..."quo vadis" RCA?
Mesmo com mais de 10.000 militares da ONU presentes neste estado africano, não vislumbramos um término deste conflito nos próximos tempos.
Miguel Verde