ANGOLA: JOÃO LOURENÇO – UM “MAR DE INCERTEZAS”

05-06-2018

O Presidente da República João Lourenço (JLo), durante a sua campanha presidencial defendeu nos seus comícios o combate à corrupção com toda a veemência.

Após a exoneração de Isabel dos Santos da administração da Sonangol (a galinha dos ovos de ouro segundo o próprio Presidente), vários arautos da democracia angolana e portuguesa, saíram da sua" toca", tendo enaltecido e destacado o acto corajoso do Presidente. Este acto foi o culminar de um processo de limpeza que JLo efectuou nas principais empresas públicas de Angola no plano económico, recursos naturais e media. Os seus alvos estavam nitidamente focados nos filhos de José Eduardo dos Santos (JES - Presidente de Angola durante 38 anos) e na elite angolana que beneficiava do seu manto protector. Neste ponto, o combate à corrupção que ele tanto apregoou durante a sua campanha presidencial parece estar a tomar um outro rumo, no entanto...

Como sabemos, há uma evidência clara que a corrupção institucionalizada nos órgãos de poder angolanos é o maior problema que o país enfrenta desde que se tornou independente. As palavras proferidas constantemente por JLo a condenar a corrupção, que já vimos ter um estilo muito mais bonacheirão que o de JES podiam significar sinais de mudança, porém, basta estar um bocadinho atento às notícias e evidências demonstradas para se conseguir identificar um tipo de corrupção endémico ao MPLA. Na realidade, o que temos assistido é a uma "dança de cadeiras". Saíram os "amigos" de JES, para os lugares mais importantes e mais rentáveis do Estado angolano, passarem a ser ocupados pelos "camaradas" amigos de JLo. Assim, à partida parece que estamos a assistir a uma mera acção de cosmética perpetrada pelo MPLA, desta vez com protagonistas diferentes: os amigos de quem se encontra no poder.

Este tipo de postura, já nós assistimos em várias circunstâncias e por diversos países do mundo, mesmo quando estes apregoam ser um verdadeiro estado de direito.

Lembramos também que no início deste século, quando JLo se mostrou disponível para assumir o cargo de Presidente da República, JES não gostou e assegurou que o actual Presidente Angolano fosse relegado para um papel bastante secundário na nomenclatura do MPLA. Só quando voltou à ribalta em 2014 e assumiu o ministério da defesa, é que JLo voltou a ter real protagonismo, culminando na sua nomeação como candidato à presidência.

Acreditamos que nos tempos atuais as relações entre os dois estejam frias, até porque os principais rivais de Isabel dos Santos, voltaram a assumir papel determinante - Carlos Saturnino que voltou a liderar a principal empresa e fonte de riqueza do país -Sonangol e Manuel vicente (ex-vice Presidente de angola) que foi resguardado pela nomenclatura do Estado angolano, até às últimas consequências contra o Estado português, a propósito da Operação Fizz (Manuel Vicente é acusado de corrupção activa e branqueamento de capitais em território português). Como já é apanágio na diplomacia portuguesa, pelo menos no que concerne às relações com Angola, tivemos uma decisão mais política do que jurídica por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, remetendo o processo para Angola, após um longo "braço de ferro" entre Portugal e Angola, chegando a estar em causa a cooperação e o corte de relações entre os dois países.

JLo, entretanto, realizou a sua primeira visita à Europa na qualidade de Presidente da República. O primeiro país escolhido foi a França, não deixando de ser um sinal, mais uma vez para Portugal que a cooperação existe, sim, mas nos termos definidos pelo estado angolano. Portugal é um país que faz parte da esfera de interesses do estado angolano, mas não está entre os primeiros abalizados.

A visita a França foi classificada pelo ministro da Comunicação Social João de Melo de um enorme sucesso. Esta visita, de facto, fazia algum sentido. Os avultados investimentos da petrolífera francesa Total em Angola (a operadora estrangeira mais antiga e nº1 em Angola), é talvez o principal factor.

Do ponto de vista geo-estratégico, uma vez que Angola, situa-se próximo a várias ex-colónias francesas, também pode fundamentar esta proximidade, até porque Angola tem o seu exército minimamente organizado, podendo eventualmente intervir nalguma situação de crise. Daí, talvez JLo ter "piscado o olho" à organização internacional da francofonia. Talvez fosse bom o governo português reflectir sobre a constante demonstração de fraqueza e submissão que tem vindo a demonstrar ao longo destes últimos anos e repensar no papel da CPLP (Comunidade dos países de língua portuguesa).

Em abono da verdade, esta visita, não trouxe nada de novo. A crise financeira continua a ensombrar o estado angolano. Isso, porém, não impediu que JLo mais a sua comitiva tivesse alugado e viajado num avião de luxo pertencente a uma empresa privada chinesa, que segundo consta, custou 70.000 € à hora!

Os tribunais continuam a decidir, tendo em conta os interesses da elite instalada no poder, não refletindo deste modo um verdadeiro estado de direito.

A polícia continua a agir arbitrariamente, reprimindo violentamente as manifestações pacíficas. Os repugnantes esquadrões de morte, teimam em permanecer, embora o Serviço de Investigação Criminal negue tal existência.

A saúde continua um caos por todo o país. Angola é um dos países do mundo onde a taxa de mortalidade infantil é mais elevada. No caso da lusofonia, só existem registos piores na Guiné-Bissau.

Sendo assim, precisamos de saber se este novo contexto da política angolana, não se trata meramente de um reforço do poder do presidente. Não nos podemos olvidar que JES quando assumiu a presidência de Angola também se livrou de alguns elementos incómodos para o exercício do seu poder. Depois foi o que se viu.

Apesar de JLo estar bem familiarizado com as forças armadas, devido ao seu passado, e aparentemente tê-las sobre o seu controle, não podemos deixar de ficar algo apreensivos, com o facto do dele se estar a rodear em algumas das situações por ex apoiantes de JES, o que revela aqui bem a natureza humana no seu pior.

A Sociedade civil angolana está mais dinâmica e diligente. Acreditamos que não vai deixar passar em claro se JLo enveredar por um caminho de autoritarismo disfarçado. A defesa da liberdade, democracia e progresso, não podem permanecer associadas a meras sentenças vãs e improfícuas.

Miguel Verde - Senior Consultant, Professor de Relações Internacionais

Miguel Verde - Senior Consultant
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